CAPÍTULO 7
Quando, porém, estávamos de saída para um dos pavilhões do hospital,
agora sob a minha responsabilidade no Mundo Espiritual, nosso irmão Lilito
Chaves veio ao nosso encontro e anunciou o que, desde algum tempo,
aguardávamos com expectativa: a desencarnação do médium Francisco Cândido
Xavier, o nosso estimado Chico. O acontecimento nos impunha rápidas mudanças
de planos e, solicitando a Manoel Roberto que cuidasse do interno que me
reclamava a presença, improvisamos uma excursão à Crosta para saudar aquele
que, após cumprir com êxito a sua missão, retornava à Pátria de origem.
Assim, sem maiores delongas, Odilon, Paulino e eu, juntando-nos a uma plêiade
de companheiros uberabenses desencarnados, entre os quais relaciono o próprio
Lilito, Antusa, Joaquim Cassiano, Rufina, Adelino de Carvalho, e tantos outros,
rumamos para Uberaba no começo da noite daquele domingo, dia 30 de junho. A
caminho, impressionava-nos o número de grupos espirituais, procedentes de
localidades diversas, do Brasil e do Exterior, que se movimentavam com a mesma
finalidade. Todos estávamos profundamente emocionados e, mais comovidos
ficamos quando, estacionando nas vizinhanças do “Grupo Espírita da Prece’, onde
estava sendo realizado o velório, com o corpo exposto à visitação pública,
observamos uma faixa de luz resplandecente, que, pairando sobre a humilde casa
de trabalho do médium, a ligava às Esferas Superiores, às quais não tínhamos
acesso.
Conversando conosco, Odilon observou:
— Embora, evidentemente, já desligado do corpo, nosso Chico, em espírito, ainda
não se ausentou da atmosfera terrestre; os Benfeitores Espirituais que, durante 75
anos, com ele serviram à Causa do Evangelho, estarão, com certeza, à espera de
ordens superiores para conduzi-lo a Região Mais Alta… De nossa parte,
permaneçamos em oração, buscando reter conosco as lições deste raro momento.
Aproximando-nos quanto possível, notamos a formação de duas filas imensas,
constituídas de irmãos encarnados e desencarnados, que reverenciavam o
companheiro recém-liberto do jugo opressor da matéria: eram espíritos, no corpo e
fora dele, extremamente gratos a tudo que haviam recebido de suas mãos, a vida
inteira dedicadas à Caridade, nas mais fiel vivência do “amaivos uns aos outros”.
Mães e pais que, por ele haviam sido consolados em suas dores; filhos e filhas
que puderam reatar o diálogo com os genitores saudosos, escrevendo-lhes
comoventes páginas do Outro Lado da Vida; famílias desvalidas com as quais
repartira o pão; doentes que confortara agonizantes em seus leitos; religiosos de
todas as crenças que, respeitosos, lhe agradeciam o esforço sobre-humano em
prol da fé na imortalidade da alma…
Não registramos nas imediações, é bom que se diga, um só espírito que
ousasse se aproximar com intenções infelizes. Os pensamentos de gratidão e as
preces que lhe eram endereçadas, formavam um halo de luz protetor que tudo
iluminava num raio de cinco quilômetros; porém essa luz amarelo-brilhante
contrastava com a faixa de luz azulínea que se perdia entre as estrelas no
firmamento.
A cena era grandiosa demais para ser descrita e desafiaria a inspiração do maisexímio gênio da pintura que tentasse retratá-la. Uma música suave, cujos acordes
eu desconhecia, ecoava entre nós, sem que pudéssemos identificar de onde
provinha, como se invisível coral de vozes infantis, volitando no espaço, tivesse
sido treinado para aquela hora.
Espíritos mais simples que passavam rente comentavam:
— “Este é um dos últimos… Não sabemos quando a Terra será beneficiada
novamente por um espírito de tal envergadura”; “Este, de fato, procurava viver o
que pregava” “Quem nos valerá agora?”; “Durante muitos anos, ele matou a fome
da minha família… “Lembro-me de que, certa vez, desesperado, com a idéia de
suicídio na cabeça, eu o procurei e a minha vida mudou”; “Os seus livros me
inspiraram a ser o que fui, livrando-me de uma existência medíocre”; “Quando
minha avó morreu, foi ele quem pagou seu enterro, pois, à época, éramos
totalmente desprovidos de recursos”; “Fundei minha casa espírita sob a orientação
de Chico Xavier, que recebeu para mim uma mensagem de incentivo e de apoio”;
“Comigo, foi diferente: eu estava doente, desenganado pela Medicina, ele me
receitou um remédio de Homeopatia e fiquei bom”…
Paulino, tão curioso quanto eu e Lilito, perguntou a Odilon:
— O que o senhor acha dessafaixa de luz isolada, como se fosse um caminho?
— Desconfio o que seja, mas ainda não tenho certeza, Paulino — respondeu o
Orientador, que, a todo momento, identificado por um dos integrantes da multidão
que aumentava progressivamente do nosso lado de ação, se esmerava em
responder as perguntas que lhe eram dirigidas.
Os caravaneiros não cessavam de chegar, todos portando flâmulas e faixas com
dizeres luminosos; creio sinceramente que, em nosso Plano, jamais houve uma
recepção semelhante a um espírito que tivesse deixado o corpo, após finda a sua
tarefa no mundo; com exceção do Cristo e de um ou outro luminar da
Espiritualidade, ninguém houvera feito jus ao aparato espiritual que se organizara
em torno do desenlace de Chico Xavier.
Com dificuldade, logrando adentrar o recinto do “Grupo Espírita da Prece”,
reparamos que uma comissão de nobres espíritos, dispostos em semicírculo,
todos trajando vestes luminescentes, permanecia, quanto nós mesmos, em
expectativa. Odilon sussurrou-me ao ouvido:
— Inácio, estas são as entidades que trabalharam com ele na chamada
“Coleção de André Luiz”; são os Mentores das obras que o nosso André reportou
para o mundo, no desdobramento do Pentateuco Kardeciano:
Clarêncio, Aniceto, Calderaro, Áulus e tantos outros… E aqueles que estão
imediatamente atrás? — indaguei.
— São alguns representantes da família do médium e amigos fiéis de longa
data.
— E onde estão Emmanuel, nosso Dr. Bezerra de Menezes e Eurípedes
Barsanulfo?
Porventura, ainda não chegaram?…
— Devem estar — respondi — cuidando da organização…
Ao lado do seu corpo inerte, nosso Chico, segundo a visão que tive, me parecia
uma criança ressonando, tranqüila, no colo de um anjo transfigurado em mulher,
fazendo-me recordar, de imediato, a imagem de “Pietà”, a famosa escultura de Michelangelo.
— Quem é ela? — perguntei.
— Trata-se de D. Cidália, a sua segunda mãe…
— E D. Maria João de Deus?…
— Ao que estou informado — esclareceu Odilon —, encontra-se reencarnada
no seio da própria família.
– E seu pai, o Sr. João Cândido?
— Está em processo de reencarnação, seguindo os passos da primeira esposa.
Adiantando-se, nosso Lilito indagou:
— Odilon, na sua opinião, por que o Chico está parecendo uma criança?
— Ele necessita se refazer, pois o seu desgaste, como não ignoramos, foi muito
grande, mormente nos últimos anos da vida física; nosso Chico carece de se
desligar completamente…
— Perderá, no entanto, a consciência de si?
– É evidente que não. O seu verdadeiro despertar acontecerá gradativamente, à
medida em que se recupere da luta sem tréguas que travou… Aliás, a
Espiritualidade Superior, nos últimos três anos, vinha trabalhando para que a sua
transição ocorresse sem traumas, tanto para a imensa família espírita, que o
venera, quanto para ele próprio.
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